quarta-feira, 17 de setembro de 2008

De Cabuçu para a história

Um índio, Itaquatiringa e a tabatinga
De Fernanda Bastos da Silva

Conta a lenda que, desde os primórdios da colonização brasileira, as terras que hoje comportam o bairro de Cabuçu eram povoadas pelo índios Tupinambás. Eles cultivavam mandioca e viviam às margens dos rios Cabuçu e Ipiranga, entre outros. Dizem que eles utilizavam as folhas de uma árvore milenar para colocar seus pés quando saiam de casa para visitar outras tribos pois, naquela época, a tecnologia ainda era precária e eles tinham que conviver com a tabatinga e a lama nas ruas, em função das terras baixas e alagadiças que constituíam os brejais que dominavam a morfologia da paisagem.

Os índios deram nome a vários lugares de Cabuçu, inclusive o próprio nome “Cabuçu” é de origem Tupi e significa “Abelha Grande”. Dos índios também vieram os nomes das ruas Itororó e Taquaretinga. O que muita gente não sabe é que um certo índio tupinambá nomeou a árvore milenar utilizada por várias gerações de “boça pá istica”.

Após um tempo vieram os colonizadores e a região de Cabuçu tornou-se um importante ponto de produção de cana-de-açúcar, com destaque para os engenhos Marapicú, Ipiranga, Cabuçu e Mato Grosso. O escoamento desses produtos era feito por rota fluvial ou por meios dos caminhos como o caminho do mato grosso, a antiga estrada de Queimados e Cabuçu (em frente à fazenda Cabuçu) e a rua Taquaritinga ligava o Aliança a Cabuçu.

Histórias orais contam que do alto dos montes dava para ver a poeira subindo no horizonte da Baixada, conforme passavam os tropeiros com seus muares, chegavam a fazer desenhos no ar. O caminho de Queimados, que era um pouso de parada para tropeiros, passou a ser a última parada antes dos tropeiros subirem a Serra do Mar, rumo a Minas Gerais. Dizem que quando chovia os cavalos não conseguiam transitar em meio à lama, com suas ferraduras, tendo que colocar, os tropeiros, sacos de couro nas patas dos animais para a longa caminhada.

E a cana chegou à sua fase de declínio e o café foi introduzido nas fazendas. Mas o café não vingou nas terras da Baixada e, com isso, em Cabuçu. O que ficou foram as tecnologias introduzidas para o escoamento dele, pois Cabuçu fica no caminho entre dois portos importantes, o do Rio de Janeiro e o de Itaguaí. Construíram-se em meados do séc. XIX, as ferrovias, entre elas a de Santa Cruz e Dom Pedro II (hoje chamada Central do Brasil). O que não se fala muito é que havia um ramal que liga essas duas ferrovias e que esse ramal passava em Cabuçu. (hoje chamada Linha Velha). Suas locomotivas a vapor eram abastecidas pelas caixas d’água instaladas ao longo dos trilhos, como a que fica nas margens da lagoa azul. Interessante é que essa ferrovia cortava brejos e, conforme os médicos sanitaristas, ela, ao represar as águas, provocou a disseminação de doenças provenientes das águas paradas. Com a ferrovia, porém, Cabuçu perdeu a importância política. (Marapicu tinha status político e econômico) para o pouso dos Queimados em função da ferrovia principal passar lá.

Em 1891 Nova Iguaçu se torna cidade e Cabuçu passa a constituir o distrito de Queimados. Entre o final do séc. XIX e até a 2ª Guerra Mundial, Nova Iguaçu exibiu a fama de ser a “cidade perfume” em função de seus vários laranjais para a comercialização com o exterior. Em Cabuçu não foi diferente. Em meio a brejos e laranjais, os moradores conviviam com suas ruas de terra e seus caminhos tortuosos buscando terrenos mais firmes. Para facilitar o escoamento, foi construída na dec. de 40 (1940), a Estrada de Madureira, conhecida por suas muitas curvas para fugir dos brejais de Cabuçu.

Findado o apogeu dos cítricos, “o ouro laranja”, Nova Iguaçu conheceu um novo momento, seu papel industrial, que passou a exercer por estar às margens de uma das principais rodovias do país: a Dutra. Para alocar os “novos iguaçuanos”, os migrantes que vieram trabalhar nas fábricas da cidade do Rio de Janeiro e de Nova Iguaçu, muitas chácaras laranjeiras foram retalhadas em loteamentos, entre eles o Jardim Cabuçu, cuja imobiliária era a Granja Paraíso, na década de 50.

As máquinas vinham abrindo ruas em meio às várzeas e as rodas eram esteiras que se saiam melhor nas ruas com lama.

Entre as ruas principais, lá estavam: a rua Severino Pereira da Silva, Itororó e Itaquaritinga. Até a dec. de 90 nada havia no final da rua Itaquaritinga a não ser mato e lama.

Há 12 anos, nada havia no loteamento 12 de outubro, criado recentemente. Com 6 anos de idade, eu acordei e estava no 12 há 12 anos. Em frente a minha casa: mato, à esquerda e à direita: mato, aos fundos um sítio muito antigo e a rua em frente, continuação da Itaquaritinga: terra firme e com ela, lama. Isso há doze anos.
Hoje, ao acordar em uma manhã chuvosa de verão, sinto o cheiro agradável da terra molhada e, talvez am função de uma possível descendência dos povos tupinambás que, infelizmente, já não existem mais, sinto nostalgia dessas histórias. Pouco se recordam das tradições dos nossos antepassados, porém, hoje, ao sair para o mercado, farmácia ou igreja, pratico um ritual passado de pais para os filhos, cujo tempo não sei ao certo. Um costume já tradicional dos que vivem nos arredores daquela rua Itaquaritinga, nomeada há tanto tempo. Hoje vivo na sociedade pós-moderna do séc. XXI e uso uma bolsa plástica nos pés para proteger-me da lama da rua Itaquaritinga.

Curioso esse fato. Isso prova que a memória dos povos e culturas locais é importante para conhecermos nossa história e entendermos nossas práticas culturais. O bairro Cabuçu e a rua Taquaritinga talvez não sejam conhecidos pelas empresas que criaram as bolsas plásticas para o transporte de mercadorias, mas, sem dúvida, aquele índio que nomeou a rua Taquaritinga e a folha daquela árvore fazem parte da vida das pessoas que moram nessa rua como eu e minhas gerações anteriores, moradores de Cabuçu.

Minha rua faz parte da história de minha cidade, que faz parte da história da humanidade e eu agora entro para história, escrevendo a minha história e a da minha rua. A minha rua tem história.

13 comentários:

geografoedson disse...

Incrível como podemos apreciar obras tão interessantes de autores outrora desconhecidos mas que muito tem para contribuir. Degustar esse momento é alimentar-se de expectativas quanto ao quanto Cabuçu e seus cidadãos são passiveis de desenvolver a noção e o reconhecimento do conhecimento de seu povo. Enquanto militante de movimento social de educação popular em Cabuçu à 6 anos (O PVNC Cabuçu) o que me resta é orgulhar-me disso e, ainda mais sendo a autora, uma das pessoas (sujeitos) que participaram de nossa luta em prol do desenvolvimento da região através da busca pelo acesso à universidade. Cabuçu tem potencial e, como a querida Fernandinha diz, entra pra história pois é parte dela. Parabéns, isso só é o começo de inúmeras realizações que suscederão. Aproveito para comunicar-lhe o pedido (quase ordem)para puplicar esse seu texto também em nosso site www.geoeducador.xpg.com.br pois nós precisamos de vc. Um grande beijo e espero o próximo aqui!!! E parabéns também à organização do blog por valorizar os anônimos nóbeis. Edson Junior (professor de Geografia e coordenador do PVNC Cabuçu)página www.geoeducador.xpg.com.br/pvnccabucu.htm

Unknown disse...

bela historia,creio que seja um pouco ironica,pois cabuçu pode ter historias, mas temos que lembrar que os tempos são outros e parece que a sivilização ñ chegou ainda no bairro itaquaritinga,ou seja ,parou no tempo.

jessica disse...

adorei a história de cabuçu assim para quem julga mal cabuçu pode pelo menos conheçer ele sem se preucupar com o que podera acorrer daqui pra frente..
vocês estão de parabéns...

celesteapdsilva disse...

eu nasci e vivi em cabuçu ate os meus 25 anos.me separei e fui embora para itajai(SC),voltei depois 2 anos e moro em niteroi agora.mais eu nunca esqueci o lugar onde eu nasci e sinto muita saudade dai,do colegio sargento antonio ernesto,do sitio onde morava com meu pai e irmãos,ficava na rua da cachoeira.sinto falta ate das ruas de lama.da minha ex.sogra minhas ex.cunhadas.obrigada pela bela historia deu para aliviar a saudade. beijos celeste a.p.da silva

celesteapdsilva disse...

eu nasci e vivi em cabuçu ate os meus 25 anos.me separei e fui embora para itajai(SC),voltei depois 2 anos e moro em niteroi agora.mais eu nunca esqueci o lugar onde eu nasci e sinto muita saudade dai,do colegio sargento antonio ernesto,do sitio onde morava com meu pai e irmãos,ficava na rua da cachoeira.sinto falta ate das ruas de lama.da minha ex.sogra minhas ex.cunhadas.obrigada pela bela historia deu para aliviar a saudade. beijos celeste a.p.da silva

Cosme histórias e ecologias disse...

Poderia levar para as escolas e toda entidade religiosa pois eu fasso parte de uma ONG aqui em Nova Iguaçu é muito lindo a nossa história , precisamos fortalecer muitos não conhece a história de nossa cidade minha ONG é o ERHEN Equipe de Resgate Histórica Ecólogica Nacional vc esta de parabéns. Meu telefone é. Vivo 998696793, Claro 968417084, Oi 985480109, Tim 979150521, Nextel 790005141, ID 99*149400

Unknown disse...

Muito bom, gostei muito deste texto, Sempre tive a curiosidade de conhecer a História de Cabuçu onde nasci, mas nunca parei para pesquisar, mesmo sabendo que minha família faz parte da construção de Cabuçu, pois meu avô tinha sítio no Ipiranga, onde hoje tem uma rua com o Nome dele e do meu tio, ele foi o primeiro homem na região do Ipiranga e Cabuçu a comprar um carro Zero, e era dono de várias lojas que ficavam em frente ao antigo mercado Alto da posse,uma delas é hoje o Hortifrúti. Ele também tinha casas próximo ao antigo catuca. Hoje como historiadora pretendo dar início ha uma pesquisa onde este blog me deixou muito feliz aguçando mais ainda meu desejo de buscar nas fontes e poder também escrever sobre meu avô, Lourival Silvestre dos Santos que colaborou para o crescimento da localidade.

Unknown disse...

Muito boa a pesquisa sobre Cabuçu, eu nasci lá em 1969 tenho boas lembranças principalmente do morro do chapéu onde brincava quando criança. minha avó ajudou a construir a igreja Católica, eu morava na rua Itororo e depois me mudei para a rua Petrolina. Lembro me da linha velha já esquecida na verdade hoje tem muito pouco do antigo cabuçu. Qualquer morador antigo se lembra dos bailes do catuca, de tia Benedita e sua família mais agora tudo está no passado distante. E fica a lembrança de minha amada avó que tanto contribuiu. Dona Antonia da loja de ferragens ( in memória de Antonia Correia da Silva!!!

Renato disse...

Muito grato por tal história,minha família também faz parte dos primórdios de cabuçu,meus antepassados tiveram muitas terras aqui,seria de grande riqueza elaborar um evento que trouxesse a memória de cabuçu para que os mais novos pudessem aprender.
Meu nome é Renato de Paula Timóteo,filho de Sebastião Timóteo nascido,criado e morador de cabuçu,somos de frente ao UPA de cabuçu,que hoje tem uma casa amarela com uma loja amarela na frente.
Deixo aqui meu interesse,se caso vier a elaborar algo a respeito da história desse lugar.
Meu contato poder ser pelo Facebook,só pesquisar pelo meu nome todo.
Abraços em todos !

Unknown disse...

Texto maravilhoso! Fica aqui meu agradecimento por explicar grande parte da história do lugar eu gosto e vivo atualmente.

Unknown disse...

Emocionante!! Amei conhecer a historia do bairro que eu amo tanto, desde 1983.

Unknown disse...

Muito interessante e importante contribuição.... Sou moradora do valverde e gostaria de conversar com você s possível 9.7.4.7.7.2.8.1.7 meu wattsap Ana

Escarlate disse...

Bom dia, alguém tem informação sobre a fazenda Cabuçu?